Pelo menos três métodos que usam a biotecnologia estão sendo testados no país, por instituições privadas e públicas, entre os quais a produção de mosquitos geneticamente modificados
Representantes de Ministério da Saúde, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e de duas empresas privadas que desenvolvem projetos tecnológicos contra o Aedes aegypti concluíram que não existe uma solução única para o problema, que deve ser enfrentado por meio de associação de métodos e pesquisas científicas. O uso de biotecnologia para combater o mosquito – transmissor da febre amarela, da dengue, da chikungunya e do zica vírus – foi discutido nesta terça-feira (25) em audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família.
Na audiência, deputados cobraram mais investimentos em pesquisa e manifestaram preocupação com os efeitos dos cortes previstos na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/16, que limita os gastos públicos por um prazo de 20 anos.
Este ano, até agosto foram registrados quase 1,5 milhão de casos de dengue, 216 mil casos de febre chikungunya e quase 200 mil pessoas infectadas pelo zika vírus no Brasil, de acordo com dados do Ministério da Saúde.
Para combater o mosquito transmissor, pelo menos três métodos que usam a biotecnologia estão sendo testados no país, por instituições privadas e públicas, entre os quais a produção de mosquitos geneticamente modificados.
Um deles usa um larvicida (pyriproxyfen) em pó em armadilhas que atraem as fêmeas do mosquito. Depois de entrarem em contato com o produto, elas levam o larvicida impregnado no corpo para outros criadouros, matando as larvas.
Esse método está sendo testado pela Fundação Oswaldo Cruz no município de Manacapuru (AM). Quando começou, em 2013, 98% das residências tinham criadouros com larvas do Aedes. Em 2015, esse percentual caiu para 2%.
Outro projeto, também testado pela Fiocruz, busca impedir que o mosquito transmita doenças por meio da contaminação do inseto com uma bactéria chamada wolbachia.
Neste caso, o objetivo não é exterminar o Aedes, mas fazer com que ele não transmita doenças. O método está sendo testado no Rio de Janeiro, em parceria com uma universidade australiana.
O uso de mosquitos infectados com a bactéria já foi experimentado também em uma cidade da Austrália, onde a dengue é endêmica, e o resultado é que em 2015 e 2016 lá só foram registrados casos de dengue contraídos em outros lugares.
Para Flávia Varandas Teixeira, que é gerente de projetos da Fiocruz, não existe uma solução única contra a dengue. “Não há uma metodologia única, uma bala mágica que por si só irá solucionar o problema. Existe é uma combinação de iniciativas, uma complementação de metodologias”, disse.
Transgênicos
Outro método em fase de testes no Brasil é o uso de mosquitos machos geneticamente modificados. Esses mosquitos estão sendo produzidos na cidade de Juazeiro, na Bahia, por uma parceria das empresas Oxitec do Brasil Tecnologia de Insetos e Biofábrica Moscamed.
Os mosquitos transgênicos, que não picam e não transmitem doenças, mas transferem para os filhotes um gene mortal, já foram testados nos municípios de Piracicaba (SP) e Jacobina (BA). Os primeiros resultados, segundo as empresas responsáveis, foram promissores.
Interação
Jair Fernandes Virginio, presidente da Biofábrica Moscamed, cobrou uma maior interação entre as diversas instituições de pesquisa. Ele também acredita que os métodos têm de ser complementares para acabar com o potencial do mosquito, que pode trazer outras doenças ao País.
“Cientistas acreditam que mais de 24 arboviroses são transmitidas pelo vetor Aedes aegypti. Não só dengue, chikungunya e zica. Já está batendo às nossas portas a febre mayaro e vai haver seguramente outras, contra as quais não existe uma tecnologia única salvadora da pátria”, disse.
Para Cláudio Fernandes, gerente de Negócios da Oxitec do Brasil Tecnologia de Insetos, só uma ação conjunta pode trazer bons resultados contra o mosquito. “A luta contra o mosquito só vai ser possível se todos trabalharmos juntos: população, governos e representantes da sociedade, públicas e privadas”, afirmou.
Integração
Tatiana Ázara, do Programa de Controle da Dengue do Ministério da Saúde, também defendeu o chamado manejo integrado, que é o uso complementar de métodos diferentes no combate ao mosquito. Ela lamentou o uso dominante de insetisidas que, no seu entender, deveria ser o último recurso. “Essa herança de se utilizar inseticida na saúde pública vem da agricultura e deveria ser repensada”, disse.
Ázara apontou fatores que permitiram a proliferação do mosquito no Brasil, como o alto percentual (26%) de pessoas que vivem nos chamados “aglomerados subnormais”” conceito que engloba as favelas ” e a falta de saneamento básico, com o uso de lixões em 63% dos municípios.
Ao ser questionada pela presidente da comissão, deputada Conceição Sampaio (PP-AM) a respeito do grau de integração entre os diversos órgãos encarregados de combater o mosquito, tanto na esfera federal quanto municipal e estadual, a representante do Ministério da Saúde admitiu a dificuldade “de trabalhar de forma integrada”.
PEC 241
Deputados da comissão relacionaram as pesquisas e políticas de combate ao mosquito a investimentos que estariam ameaçados pela aprovação da PEC 241/16, que proíbe gastos públicos acima da inflação.
Para o deputado Adelmo Carneiro Leão (PT-MG), o investimento público é fundamental no combate ao Aedes aegypti. “Nós estamos diante de uma situação extremamente perigosa. Se não faltarem recursos para a educação ou para a saúde, vai faltar para a ciência e tecnologia”, afirmou.
A audiência pública foi solicitada pelo deputado Adail Carneiro (PP-CE).