O impacto e a gravidade da febre chikungunya no Brasil, as características da infecção nas fases aguda, subaguda e crônica e suas complicações para gestantes e crianças foram alguns dos temas em debate no segundo e último dia do 2º Seminário de Dengue, Chikungunya e Zika, promovido pela Fundação Oswaldo Cruz. Realizado no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) na última quinta (1º) e sexta-feira (2/12), o evento reuniu especialistas em arboviroses da Fiocruz e de instituições parceiras, além de representantes do poder público.
Na abertura dos debates sobre a chikungunya no Brasil, o especialista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Carlos Brito apresentou, em linhas gerais, o protocolo de dor do Ministério da Saúde e o alerta para os casos de óbitos associados à doença. De acordo com Brito, até 2014 se acreditava que a chikungunya tinha baixa letalidade, mas estudos recentes provam o contrário. Com o desenvolvimento de novas pesquisas, está se provando que, além de causar importantes limitações físicas, a chikungunya também mata. “Baseado nos dados do estado de Pernambuco, é possível afirmar que a chikungunya mata mais do que a dengue. Sem desmerecer também o zika, pode-se dizer que a chikungunya é a pior das arboviroses, com muitos doentes crônicos e mortes associadas”, afirmou Brito.
Destacando a taxa de ataque elevada e o alto risco de epidemia de chikungunya, o pesquisador da UFPE também se mostrou preocupado com as dores crônicas típicas da doença, que incapacitam jovens e adultos por anos e provocam outros transtornos, ao longo do tempo, como desordem do sono, depressão, distúrbio de memória e concentração. “A dor articular é intensa e pouco responsiva a analgésico. Tem impacto significativo sobre a qualidade de vida dos pacientes, em uma população economicamente ativa, o que amplia a magnitude desse problema de saúde pública. O fato é que os profissionais de saúde não estão acostumados com o manejo da dor e há poucos estudos sobre o tema. É uma dor incapacitante”, explicou Carlos Brito.
Representante da Secretaria Municipal de Saúde de Feira de Santana, na Bahia, a infectologista Melissa Falcão comentou os resultados do acompanhamento de mais de 2000 casos de chikungunya nos últimos dois anos. Com a experiência de uma das maiores experiências clínicas com a doença no país, ela enfatizou o desafio de obter um diagnóstico preciso para diminuir a subnotificação e a cronificação da doença no país. Melissa Falcão explicou em detalhes também a classificação das fases da doença no Brasil: aguda (7 a 10 dias), subaguda (10 dias a 3 meses) e crônica (mais de 3 meses). “Até 70% das pessoas infectadas desenvolvem sintomas. A quantidade de assintomáticos é, portanto, pequena. Mas nem sempre é fácil fazer esse diagnóstico clínico e a falta de diretrizes em muitos ambulatórios também leva ao manejo inadequado dos doentes. A gente precisa evitar que esses pacientes evoluem para a forma crônica, por causa do impacto social e econômico que isso provoca”, disse a infectologista.
Convidado a falar sobre as características da fase crônica da doença, o reumatologista Geraldo Pinheiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), destacou a necessidade de interlocução entre diversas especialidades médicas para o diagnóstico e enfrentamento da chikungunya. Segundo o especialista, cerca de 50% dos pacientes acometidos pela doença evoluem para a cronicidade. A situação é mais frequente em mulheres, com mais de 50 anos. Como as queixas muscoesqueléticas também são comuns em outras enfermidades, o reumatologista pode ajudar com o diagnóstico diferencial, sobretudo dos pacientes com artrite.
“Quem tem dor tem pressa. Mas além do alívio da dor e do controle da inflamação, o que a gente quer é prevenir que a pessoa não perca a sua capacidade funcional. As condições muscoesqueléticas são aquelas que mais afetam a qualidade de vida de uma pessoa, por isso precisamos dar ênfase ao tratamento adequado nesses pacientes”, disse Geraldo Pinheiro.
Complicações em gestantes e crianças
Coordenador do debate sobre chikungunya na infância, o pediatra e especialista em doenças infecciosas pediátricas do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) Leonardo Menezes reafirmou o compromisso da Fundação Oswaldo Cruz com a saúde infantil e ressaltou a necessidade de se pensar as consequências da chikungunya para as crianças desde o início da epidemia. Pediatra e infectologista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a médica Regina Coeli apresentou os sinais de alarme e as características do diagnóstico diferencial e tratamento da chikungunya grave na infância. Com base em sua experiência no Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em Recife, Regina Coeli disse que os primeiros casos de chikungunya em crianças foram subestimados pelos profissionais de saúde. “Houve muita confusão com casos de dengue e zika, além de outras doenças”, afirmou.
A chikungunya atinge pessoas de todas as idades, de ambos os sexos, e apresenta maiores fatores de risco em recém-nascidos, idosos, gestantes e pacientes que tenham outras doenças. Com exemplos da literatura médica de outros países do mundo, como a Colômbia, Regina Coeli disse que os casos de recém-nascidos com chikungunya variam de acordo com o momento da infecção da mãe durante a gravidez e precisam de acompanhamento. “Alguns casos evoluem com maior e outros com menor gravidade. A gente tem que avaliar caso a caso e se ater aos diagnósticos diferenciais de cada doença”, assinalou a infectologista.
Diretor-geral de Controle de Doenças e Agravo da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, George Dimech encerrou o seminário com apresentação sobre vigilância e atenção nos casos de chikungunya. Ao descrever as ações vigilância epidemiológica e ambiental promovidas no Estado, Dimech lembrou que o chikungunya entrou no cenário epidemiológico de Pernambuco em outubro de 2014, com a confirmação de um caso importado da Bahia. “Com a epidemia de dengue no início de 2014 e a crise de fornecimento de água, o cenário era muito favorável ao mosquito. Em agosto de 2015, foi registrado o primeiro caso autóctone no Estado”, disse.
O especialista da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco também afirmou que o protagonismo do zika em algumas regiões até atrapalha as ações direcionadas a outras doenças. De acordo com ele, não se pode baixar a guarda do sistema para a chikungunya. “O cuidado maior é a prevenção ao mosquito durante toda a gravidez. Grávida não combina com o mosquito. É preciso ampliar o olhar para a tríplice epidemia e trabalhar a promoção da saúde nesse cenário”, completou.