Trezentos milhões no mundo; 4,3 milhões no Brasil e 196 mil em Pernambuco (dados de 2013). Esses são os números de pessoas infectadas pela mais comum das doenças sexualmente transmissíveis não virais, a tricomoníase. Com a ressalva que esses quantitativos são considerados subestimados, uma vez que muitas pessoas são assintomáticas (principalmente os homens) e muitos casos são diagnosticados erroneamente, sendo confundidos com outras DSTs, como a candidíase.
A tricomoníase é subestimada, porém não negligenciada, explica o pesquisador do Departamento de Microbiologia da Fiocruz Pernambuco, Antonio Pereira-Neves, que há 16 anos dedica-se ao estudo do Trichomonas vaginalis, parasita causador da doença. “Como os Estados Unidos é o país com o maior número de casos (seguido pela Indonésia e Filipinas) os grandes centros de pesquisas em saúde e a indústria farmacêutica vêm investindo na busca de fármacos alternativos para o tratamento dessa enfermidade”. A explicação para países com realidades tão diferentes liderarem os números de casos é cultural, segundo Antonio. Sendo os norte-americanos predominantemente criacionistas (aqui no sentido da “lógica” protestante do sexo apenas para procriação), o uso de preservativos não é muito incentivado e utilizado pela população. Já a contaminação dos indonésios e filipinos é atribuída ao expressivo número de turismo sexual sem o uso de preservativos nesses dois países.
Na Fiocruz PE, Antonio Pereira vem desenvolvendo duas linhas de investigação envolvendo o T. vaginalis. A primeira é uma pesquisa básica sobre aspectos biológicos desse parasita, onde busca compreender como ele funciona e interage com a célula do hospedeiro. “Sabemos que as tricomonas aderem sobre as células do epitélio vaginal, mas não sabemos como funciona esse mecanismo de aderência. O parasita livre (na flora vaginal, por exemplo) não provoca sintomas. A tricomona só infecta quando adere à célula e essa aderência se dá através de proteínas chamadas adesinas. No entanto, não se sabe os mecanismos de ação das adesinas durante esse processo. E é isso que eu estou buscando descobrir. Uma vez desvendado esse mecanismo, poderíamos desenvolver estratégias terapêuticas específicas para intervir na citoaderência do parasito sobre as células do hospedeiro”, explica o biólogo.
Dentro desse contexto, já é bem sabido que as adesinas presentes no fungo Candida albicans se agrupam e formam uma espécie de fibra chamada de agregado amiloide. Amiloides são agregados proteicos fibrilares comumente presentes em doenças neurodegenerativas, como o Mal de Parkinson, Alzheimer e a encefalopatia espongiforme bovina, popularmente conhecida como o Mal da Vaca Louca. Contudo, certos amiloides podem exercer funções biológicas vitais para as células, sendo denominados amiloides funcionais. Os estudos referentes aos amiloides funcionais em micro-organismos estão ganhando maior importância devido ao papel desses agregados proteicos para o estabelecimento de patógenos nos hospedeiros. O pesquisador da Fiocruz PE já descobriu a presença de agregados proteicos semelhantes às fibras amiloides em tricomonas. Entretanto, ainda se desconhece se essas fibras seriam formadas pelas adesinas do parasita.
A segunda linha de pesquisa desenvolvida por Antonio investiga compostos capazes de matar a T. vaginalis, a partir do conhecimento das plantas utilizadas pela medicina tradicional. Esse trabalho é realizado em parceria com um grupo do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de Pernambuco, que investiga componentes químicos presentes na flora da caatinga ou plantas cosmopolitas. Nesta linha, o pesquisador já obteve resultados significativos com o uso de moléculas presentes no chá verde, a epigalocatequina-3-galato (EGCG) – que embora não faça parte da flora da caatinga, foi utilizado no estudo. “O EGCG é a molécula bioativa mais abundante das folhas de chá verde (Camellia sinensis) e possui atividades antioxidantes que conferem a essa molécula propriedades antimicrobianas e antitumorais. “Já comprovamos que a molécula do chá verde, na forma de composto solúvel, mata as tricomonas sem afetar as células do hospedeiro, mas mata também outros micro-organismos naturalmente encontrados na flora vaginal e que são fundamentais para a homeostase (capacidade do corpo de manter equilíbrio do meio interno) do trato urogenital. O nosso desafio agora é encontramos qual a melhor maneira de aplicarmos essa substância, matando a T. vaginallis, mas preservando os demais elementos da flora vaginal”, afirma Pereira- Neves.
“A nossa aposta é utilizar micropartículas que possam levar a molécula do chá verde no seu interior. Como as Trichomonas, ao contrário de outros microorganismos da flora vaginal, costumam ingerir tudo que encontram pela frente, essas microesferas funcionarão como uma espécie de “cavalo-de-tróia”, matando apenas os parasitas causadores da tricomoníase”, esclareceu. Outra vantagem apontada pelo pesquisador é que atualmente existem 84 testes clínicos cadastrados no US National Institute of Health (www.clinicaltrials.gov) fazendo uso dessa molécula como potencial fármaco para uma variedade de doenças (como obesidade, dor de cabeça crônica, HPV, Alzheimer, Parkinson,etc), não sendo necessário assim passar por etapas como testes em animais, uma vez que estas já foram feitas e o uso do composto em humanos já foi autorizado nos Estados Unidos. Vale ressaltar que ingerir o chá verde não evita nem trata a doença.
Tricomoníase
O que é
Uma infecção do trato urogenital humano causada pelo protozoário Trichomonas vaginalis. O parasito só infecta o ser humano; costuma viver na vagina ou na uretra, mas pode também ser encontrado em outras partes do sistema urogenital como próstata e epidídimo. Pode causar aborto, infertilidade e ao desenvolvimento de outras DSTs.
Sinais e Sintomas
Nas mulheres, os principais sintomas para detectar a tricomoníase são: corrimento amarelado ou amarelo-esverdeado; coceira; odor forte e desagradável; irritação vulvar; dor; dificuldade de urinar.
Nos homens T. vaginalis geralmente é assintomática.
Formas de contágio
Ocorre por meio das relações sexuais sem camisinha ou contato íntimo com secreções de uma pessoa contaminada, através de roupas intimas, instrumentos ginecológicos, assento sanitário, etc.
Tratamento
Na presença de qualquer sinal ou sintoma dessa DST, é recomendado procurar um profissional de saúde, para o diagnóstico correto e indicação do tratamento adequado. Os parceiros também precisam de tratamento.