Tomando por base a reunião das Câmaras Técnicas de Infectologia, Obstetrícia, Pediatria e Oftalmologia do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) com colegas infectologistas de Santa Maria e, posteriormente, com membros da Secretaria de Saúde do RS, a Diretoria deste conselho traz ao conhecimento da classe médica as seguintes informações sobre o surto de toxoplasmose em Santa Maria.
1- Dimensão do surto – Nos primeiros meses do ano foi observado aumento no número de casos de síndrome febril possivelmente relacionados a Toxoplasmose em Santa Maria, atingindo valores expressivos ao final de março de 2018. A vigilância epidemiológica municipal e estadual confirmaram ocorrência de surto epidêmico de toxoplasmose naquela localidade em final de abril de 2018.
Até o final de maio foram notificados 1.116 casos à vigilância epidemiológica estadual. Destes, 766 casos ainda eram suspeitos (quadro febril, cefaléia e/ou mialgia acompanhado de adenomegalia, astenia, artralgia ou alteração oftalmológica). Nos demais 460 casos houve confirmação laboratorial para toxoplasmose aguda, sendo 35 gestantes, com dois óbitos fetais (36 e 28 semanas) e dois abortos. Mais detalhes no
ANEXO 1.
Mesmo havendo um declínio no diagnóstico de casos novos suspeitos (Figura 1), é possível ainda um aumento nas próximas semanas no número de casos confirmados, pois há 166 casos em investigação e 350 aguardando classificação no Laboratório Central do Estado (LACEN).
2- Apresentações clínicas e investigação – A toxoplasmose é uma infecção aguda auto-limitada geralmente assintomática em 80-90% dos adultos imunocompetentes. Neste surto, chama a atenção a intensidade dos sintomas apresentados, observando-se em mais de 70% dos casos a ocorrência de febre entre 10-14 dias, mialgia, linfoadenomegalias cervicais e occipitais dolorosas, fadiga, prostração e inapetência com interferência em atividades diárias que podem persistir por até 4 a 6 semanas.
Alterações oculares foram observadas em aproximadamente 14% dos pacientes com toxoplasmose aguda, sendo identificadas alterações precoces em fundoscopia em 5 pacientes sem queixas de sintomas visuais. É fundamental que todos os pacientes diagnosticados com toxoplasmose aguda, na vigência de surto, devem ter acompanhamento ambulatorial oftalmológico para monitorização e diagnóstico precoce de alterações oftalmológicas decorrentes da infecção pelo toxoplasma do tipo coriorretinite. Esse acompanhamento deve ser garantido por pelo menos um ano devido ao risco aumentado de reativação da infecção ocular nesse primeiro ano da doença. Mais detalhes no
ANEXO 1.
3- Tratamento – É fundamental que o tratamento para toxoplasmose esteja disponível para todos os adultos e crianças com acometimento ocular e/ou sintomas mononucleose-like arrastados (>4 semanas), com confirmação laboratorial da doença. As medicações e doses preconizadas do tratamento de adultos imunocompetentes, toxoplasmose ocular e gestantes constam no
ANEXO 2.
Outras formas de manifestação menos comuns da toxoplasmose aguda, como a meningoencefalite, pneumonite, hepatite, pancreatite e disfunção de enxerto em pacientes transplantados, devem ser consideradas, para diagnóstico precoce e tratamento.
4- Gestantes, RN e crianças – Devido a intensidade do surto epidêmico de toxoplasmose, o fluxograma de pré-natal do Ministério da Saúde para prevenção de infecção congênita foi modificado no município. É recomendado que todas as gestantes em investigação de toxoplasmose aguda sejam encaminhadas ao pré-natal de alto risco do Hospital Universitário de Santa Maria para acompanhamento e investigação fetal de toxoplasmose congênita (algoritmo –
ANEXO 3).
Durante o surto, é indicada avaliação sorológica a cada 4 semanas de gestantes suscetíveis (IgM e IgG não reagentes) na tentativa de detecção precoce de infecção aguda. A avaliação mensal de pacientes com IgG reagente previamente a gestação também está sendo realizado devido a observação de gestantes com IgG reagente prévio com positivação de IgM e aumento das titulações de IgG.
Destaca-se que a imunidade à toxoplasmose pode não ser permanente em período epidêmico por exposição a alta quantidade do inóculo ou por reinfecção por outra cepa de Toxoplasma. Ressaltamos que estes achados sugestivos de reinfecção em gestantes também foram encontrados no surto de toxoplasmose em São Marcos (2015) no Rio Grande do Sul e Santa Izabel do Ivai, Paraná em 2002.
O atendimento de recém-nascidos em investigação de toxoplasmose congênita e crianças menores de 2 anos deve ser referenciado preferencialmente à infectologia pediátrica do hospital universitário. A investigação está sendo avaliada conforme o “Fluxograma para investigação de toxoplasmose congênita” (
ANEXO 4).
É recomendável que o tratamento da toxoplasmose congênita e das infecções agudas em crianças menores de dois anos sejam com administração e oferta de medicações com apresentações pediátricas.
No algoritmo terapêutico para gestantes
(ANEXO 3) é destacada a importância e necessidade de ecografia obstétrica, material para amniocentese e as medicações disponíveis para tratamento: espiramicina, sulfadiazina, pirimetamina e ácido folínico. As demais orientações sobre tratamento em gestantes encontram-se descritas em “Orientações sobre tratamento de toxoplasmose aguda-gestantes” ”
(ANEXO 2).
5- Prevenção – As medidas preventivas devem ser realizadas com maior rigor em crianças menores de dois anos devido à imaturidade imunológica e pacientes imunocomprometidos devido risco de doença aguda sintomática com complicações e maior chance de reativação ocular nos primeiros anos. Estas recomendações de prevenção estão disponíveis no “Informativo à população de Santa Maria”
(ANEXO 5).
Até novas definições sobre a fonte de surto e finalização da investigação da vigilância epidemiológica, é recomendado à população de Santa Maria que siga as orientações de prevenção disponíveis no “Informativo à população de Santa Maria”
(ANEXO 5).
Mulheres Gestantes: Recomenda-se que todas as gestantes, independentemente da condição sorológica prévia sigam as orientações de como evitar as possíveis fontes de contaminação, tais como: cuidados com água, carne e verduras
(ANEXO 5). Em virtude do impacto desconhecido durante o período epidêmico foi considerada, na fase ascendente da instalação da epidemia, que mulheres com desejo de gestar postergassem sua gestação para um período de declínio do surto.