JJ Camargo
Para falar deste tempo, precisamos partir da premissa de que tudo vai passar pela mais simples das razões: tudo sempre passa. Quanto tempo vai demorar e como seremos depois de tudo são as perguntas obrigatórias.
Na falta de resposta à primeira pergunta reside toda a nossa ansiedade. E por que? Porque precisamos de alguma certeza para interrompermos o medo do futuro, e porque a esperança se alimenta de prazos. Sem prazos definidos, trocamos a esperança pela ansiedade.
Discutir como seremos depois é mera especulação, sem metodologia científica, porque não temos nem grupo controle!
Tenho sido solicitado a opinar se acho que seremos pessoas melhores, e a minha resposta, sem muita confiança, é que estímulos não faltarão, depois dessa angústia que a nossa geração não conhecia, a do sofrimento coletivo, em que ninguém se sente protegido. Que serviu para delatar o quanto somos pequenos e frágeis, e temos vergonha de admitir que éramos uns pretensiosos, e que bastou um vírus invisível para expor nossas fraquezas e espalhar o pânico, que assusta a todos democraticamente. É difícil projetar como seremos sem analisarmos como estamos sendo. Em parte porque somos originalmente complicados, o confinamento tem mais criado tumultos familiares do que aparado arestas, como bem relatam os psiquiatras e psicólogos, que têm trabalhado muito, tentando domesticar esse selvagem metido a sapiens que trocaria qualquer coisa pela liberdade.
Essa quarentena impôs uma pausa compulsória na nossa rotina, afastando-nos dos pacientes que eram nossas generosas usinas de gratidão, mas também do contato físico dos nossos amados. E se esses amados forem nossos netos estaremos diante de uma dívida irresgatável.
Sempre soubemos que a inatividade enlouque, especialmente aos otimistas que nunca suportaram assistir que os outros façam. É da personalidade do otimista fazer parte do que esteja sendo feito, enquanto o pessimista, sempre um grande preguiçoso, só tem que pachorrentamente esperar que dê tudo errado, como ele sempre previu!
As pessoas com atividade intelectual certamente empregam melhor o tempo de ócio involuntário, porque podem se dedicar a tarefas proteladas como escrever um livro, reler um clássico, ouvir uma ópera sem interrupção, esses deleites da arte que o cotidiano turbulento atrapalhava. Durante muito tempo fiquei me prometendo reler Crime e Castigo, e foi a primeira coisa que fiz no início da quarentena. Isto me deu muito prazer, mas claro que eu não sabia que teria tempo para reler, com calma, todo o Dostoiévski.
O problema é a que a população com reserva para sobreviver a esta parada, sem estresse econômico, é de apenas 10% dos brasileiros. Então precisamos dos 90% em que a paralisação só serve para aumentar a impossibilidade de pagar o armazém da esquina.
Para os sobreviventes é razoável esperar, mesmo estando esta esperança contaminada pela utopia, que toda esta agonia, que faz com que você acorde cansado de não ter feito nada, contribua sim para que nos tornemos pessoas melhores e que esta possível melhora seja duradoura porque as experiências prévias, com tragédias até maiores do que esta pandemia, resultaram mesmo em pessoas mais rancorosas e vingativas.
Talvez o mais assustador seja o que virá depois de tudo ter passado, porque tantos hábitos se modificaram, tantos empregos sumiram, tantas atividades provavelmente nunca se recuperarão, que é possível que tenhamos que ser redescobertos, e com muitos sustos nos reencontros com tantas perdas. É certo que, como sociedade, sairemos desta crise, economicamente mais pobres, então só restará como consolo que tenhamos sobrevivido como parceiros mais solidários e mais generosos.
Se nem isso conseguirmos, então todo este sofrimento terá sido uma jornada desperdiçada nas tantas noites mal dormidas da incerteza. E a troco de nada?
Será uma lástima se sobrar apenas uma lembrança amarga e inútil.
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