Vida de Médico | Médica Intensivista, Ana Carolina Peçanha Antonio

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Vida de Médico | Médica Intensivista, Ana Carolina Peçanha Antonio

“Tenho cuidado de pacientes que recusaram a vacina e agora estão em estado crítico por COVID-19 na UTI. O sofrimento dos seus familiares é particularmente desolador”

Médica intensivista, gestora de hospital, esposa e mãe de duas crianças, Ana Carolina Peçanha Antonio traz um depoimento para Revista AMRIGS que pode ser classificado como um desabafo. Mesmo diante de um cenário tão difícil, há casos de pessoas que insistem em não se vacinar e são exatamente estes, que hoje ocupam os leitos de UTIs na maioria dos casos.

“A minha história na pandemia traz um misto de emoções positivas e negativas. Tenho dois filhos pequenos. Tive a minha primeira filha, em 2019. Engravidei novamente quando a pandemia estava iniciando de modo que fui, imediatamente, afastada do trabalho em abril de 2020, quando havia eclodido a pandemia. Em um primeiro momento fiquei ressentida e me senti alijada do processo de ajudar os pacientes e participara de algo tão inédito para nós, médicos, que parecia ser tão diferente da pandemia de H1N1 em 2019 que ocorreu quando eu ainda era Residente.

Rapidamente os casos aumentaram. A velocidade era impressionante. Na segunda quinzena de 2020 comecei a participar de um grupo formado para dar notícias aos familiares internados com COVID-19 na UTI do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Como as visitas eram proibidas passei a me comunicar com os familiares por telefone, o que era completamente diferente do que estávamos acostumados e difícil por ser um meio distante do contato humano. Dei notícias de muitas perdas. Fiz isso na pandemia mais do que ao longo de toda minha carreira de intensivista. Foi desafiador e ao mesmo tempo enriquecedor profissionalmente e pessoalmente. Tive de me capacitar e desenvolver novas habilidades para acolher os familiares. Por outro lado, nos vinculamos mais a essas pessoas porque de domingo a domingo tínhamos essa missão de dar conforto e aos familiares de pacientes que estavam em estado crítico na UTI.

Quando a pandemia se agravou em julho de 2020, alguns professores da Faculdade de Medicina da UFRGS também se voluntariaram, mas eles não eram intensivistas. Então acabei participando de uma espécie de treinamento para orientá-los de como dar notícias tão tristes. Retomei esse contato com alguns que, de forma curiosa, haviam sido meus professores e eu via ali uma inversão de papeis uma vez que eles não tinham a especialização de intensivista.

Então, durante a minha licença maternidade, achamos que a pandemia estava acabando. Foi quando houve aquele aumento absurdo do número de casos em fevereiro e março de 2021 e o sistema de saúde colapsou. Eu teria mais um mês de férias, após a licença mas me voluntariei para não cumprir. A Instituição acolheu o meu pedido entendendo que era uma situação de colapso. Retornei para ajudar no Hospital de Clínicas e no Hospital Independência. Assumi a função de gestão assistencial na UTI. Por conta da ampliação veloz do número de leitos, foi desafiador. Houve um aumento de quatro vezes na capacidade de atendimento.

Me chamou a atenção, ainda, as fake news sobre vacinas. Havia pessoas que acreditavam em notícias falsas e por isso fui para as redes sociais. Revisei literatura médica e as melhores formas de tratamento com a convicção de que esse conhecimento precisava ser transmitido para as pessoas e acredito que eu acabei salvando muitas vidas usando as redes sociais Participei de um artigo de revisão com evidências que o tratamento precoce não funcionava.

Um caso particular que me machucou muito foi um paciente com 33 anos com COVID que apresentava melhoras. Vinha evoluindo na UTI ni Hospital Independência. Ele foi piorando lentamente, parecia ser uma infecção e ele veio a falecer naquela noite. Fiquei aborrecida porque era um paciente jovem e saudável. Não acreditava que ele iria piorar. Isso foi o que me deixou mais assustada diante da complexidade que é a COVID-19.

Hoje, tento equilibrar os pratos com dois filhos pequenos e dois empregos. É muito difícil, mas me realizo diante da constatação que posso ajudar muitas pessoas”.

Dra. Ana Carolina Peçanha Antonio
Médica intensivista, gestora de hospital, esposa e mãe de duas crianças

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